Os invisíveis

 


Quantas vezes você não caminhou na praia ou esteve dirigindo seu carro e desviou o olhar de mendigos, moradores de rua, pedintes ?!

 

Você já sentiu medo e apressou o passo, imaginou que poderia ser assaltado. Afinal, a violência tem alcançado níveis alarmantes, os crimes, cada vez mais brutais, eu sei, sua sensação é legítima.

 

Hoje, eu me vi como sendo essa pessoa, já desviei o olhar algumas vezes, não por desconsideração ou por não me importar, mas, por outras razões: medo ou porque eu não queria chorar; ver a miséria e a dor do outro sempre me incomodaram muito e peço a Deus que jamais deixe de incomodar: isso não é normal, apesar de ser comum.

 

É comum que pessoas morram de fome e outros joguem alimentos fora; é comum que pessoas se aproximem de outras apenas pela utilidade que oferecem, inexistindo autêntica relação de amizade e/ou afeto; é comum que nos consideremos melhores ou especiais por termos boas condições de vida; mas, nada disso é normal, nunca será!

 

Fui caminhar logo cedo, na praia de Olinda-PE, fiz uma viagem a trabalho e decidi praticar minhas atividades físicas com o nascer do sol. Ao atravessar uma espécie de braço de rio que me levava para perto de pedras, na chamada ilha da amizade, notei estar sendo seguida por uma mulher chamada JOANA DAR´C; um nome remete à coragem, devoção religiosa e determinação.

 

Aproximou-se e disse, certamente notando meu semblante assustada: “não sinta medo, eu vim até aqui porque Iemanjá mandou”. Disse-me coisas lindas, que teria visto em mim, sem nem me conhecer. Não me pediu dinheiro, nada, a única coisa que pediu foi um abraço e que eu aceitasse um colar de contas que carregava, certamente o único adorno que possuía, eu aceitei e não contive as lágrimas – aquela mulher era igual a mim! Cheia de sonhos, de amor, história, medos, alegrias, dor.

 

Ela estava usando um boné escuro, uma cueca rasgada, de cor vermelha, e um top branco que não escondia os seios, suja de areia e água do mar, com um balde repleto de tampas de garrafa, descalça.

 

Disse-me, ao apertar minha mão, com firmeza e me olhando nos olhos, que os objetos recolhidos seriam destinados ao hospital do câncer. Identificou-se como moradora de rua, dependente de cachaça, com dois filhos e família. Apontou para uma árvore, na orla, com lonas, dizendo ser o local onde dormia, com mais três amigos.

 

Eu já não sentia medo, aquela brava e sofrida mulher, era tão filha de Deus quanto eu e com muito mais dignidade do que muitos, em melhores condições. Contou-me como chegou a miséria extrema e disse que estava feliz na rua, que não queria voltar para a casa; de olhos marejados e cabeça baixa.

 

Relatou que bebia água do mar, por serem raros os momentos em que conseguia água potável; que ela e seus amigos já pediram comida em bar e receberam restos, entregues com muito sal, colocado propositadamente, para que jamais voltassem a pedir. Nem os cachorros comeram o alimento entregue.

 

Voltamos caminhando e conversamos, fui conhecer os amigos dela; levantaram-se como se eu fosse alguém especial. Mas, o que eu havia feito? Eu apenas “olhei” para cada um deles! Conversei, importei-me, doei um pouco de meu tempo, nada mais.

 

Com cicatrizes de bala e cortes de faca, alcoólatra e presa ao vício, destruindo-se aos pouco, um suicídio lento, largada por falta de oportunidade ou crença, marginalizada porque não teve chances ou mesmo se privou; não consigo julgar, tampouco entender o que a levou aquela condição, fato é, ela existe e tem tantos direitos a ser feliz quanto eu tenho, direito à moradia, comida, lazer, tem direito a ter direitos (Hannah Arendt).

 

Pedi que ela largasse o álcool; ela disse que não conseguiria; nenhum deles conseguiria sem suporte ou uma rede de apoio. A substância, afinal, era o que mascarava a dor e os fazia suportar a condição de marginalizados, sem nome, sem casa, sem teto e, frequentemente tratados como pessoas sem alma.

 

Eles não são invisíveis!

 

Peço-lhes que voltem a se importar, que não ignorem os mais carentes; decidam ajudar, pelo menos, uma única pessoa a cada dia, doe algo, não precisa ser dinheiro, podem ser sorrisos, uma roupa, sapato, emprego, um gesto de amor.

 

Faça isso, todos os dias; talvez Joana Dar´c e outros consigam voltar a existir….

 

Erika von Sohsten

Pré-candidata a Vereadora de João Pessoa.

 

 

 

 

 

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